Invenções implementadas por computador
Artigo elaborado por Nuno Gouveia,
Examinador de Patentes do Departamento de Patentes e Modelos de
Utilidade (DPMU)
São objetivos deste artigo, a divulgação e esclarecimento dos requisitos de
patenteabilidade na área das invenções implementadas por computador e também a
perceção de alguns contornos da já conhecida disputa “Apple vs Samsung”.
Serão afloradas temáticas numa perspetiva de elucidar o leitor e/ou inventor
relativamente aos direitos de propriedade industrial, em particular as patentes,
a gestão dos mesmos e vantagens que daí advêm se forem bem utilizados.
Invenção
O crescente desenvolvimento das “patentes de software” e os episódios quase
diários da disputa “Apple vs Samsung”, são temas já bastante conhecidos do
público em geral e que suscitam dúvidas inerentes ao processo de patenteamento
do “software”, bem como ao teor do litígio que opõe Apple e Samsung. Importa
então, esclarecer alguns conceitos de forma a promover a compreensão dos aspetos
relacionados com as patentes, mas também de outros direitos de propriedade
industrial.
Em primeiro lugar e antes de qualquer consideração sobre as temáticas acima
divulgadas, é importante dar a conhecer o que pode ou não ser patenteado e que
requisitos são necessários para tal. Assim, para que estejamos perante uma
invenção, esta terá que ser obrigatoriamente uma solução técnica nova para um
problema técnico específico, caso contrário não será considerada como tal.
Uma invenção, para ser objeto de patente, terá que ser nova, implicar
atividade inventiva e ser suscetível de aplicação industrial. Ser nova
significa que não está compreendida no estado da técnica, implicar atividade
inventiva significa que, para um perito na especialidade, não resulta de uma
maneira evidente do estado da técnica e ser suscetível de aplicação
industrial, significa que o seu objeto pode ser fabricado ou utilizado em
qualquer género de indústria ou na agricultura.
Existem ainda algumas limitações quanto ao objeto, nomeadamente:
- Descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
- Projetos, princípios e métodos do exercício de atividades intelectuais em matéria de jogo ou no domínio das atividades económicas, assim como programas de computadores, como tais, sem qualquer contributo. (art. 52º do CPI). Estas matérias, enquanto tais, estão excluídas de patenteabilidade. São matérias que envolvem apenas abstrações intelectuais, sem qualquer caráter técnico.
Em suma, uma invenção, para ser patenteável, deverá não estar excluída, por
falta de caráter técnico, ser nova, implicar atividade inventiva e ter aplicação
industrial. Exercício análogo é realizado para as invenções implementadas por
computador (IIC).
Invenções Implementadas por computador (IIC)
No que respeita às IIC, mais conhecidas do público em geral como “software”,
deveremos optar pela primeira denominação uma vez que a própria definição de IIC
é a forma correta de definirmos “software”. Assim, à usual expressão “patentes
de software” corresponde a noção correta de “patentes para IIC ou “IIC
patenteadas”. Entende-se então por IIC, toda a invenção cujo funcionamento
envolve um computador, uma rede de computadores ou qualquer outro dispositivo
programável de maneira que uma ou mais das suas características são
concretizadas por um ou mais programas.
O leitor estará nesta altura a fazer a pergunta: “mas um programa de
computador é ou não patenteável?”
Em geral, a resposta é afirmativa. Contudo se o programa for reivindicado
enquanto tal, a resposta é negativa, ou seja, está excluído de patenteabilidade.
De uma forma sintetizada podemos afirmar que:
- está excluído de patenteabilidade, um programa de computador em que a matéria reivindicada seja apenas código-fonte ou passos de um algoritmo, sem qualquer efeito técnico (aqui não se está perante uma IIC, porque não se está perante uma invenção, sequer; uma criação só é invenção se tiver caráter técnico).
- não está excluído de patenteabilidade, um programa de computador que apresente caráter técnico, ou seja, que o dito programa, como reivindicado, mesmo com passos de algoritmo, produza algum efeito técnico ao correr num computador (como exemplos de efeito técnico tem-se o controlo duma máquina ou dum processo industrial, a gestão dos recursos dum sistema informático ou a regulação da velocidade de transferência de dados numa rede de comunicações).
O que significa então,
“reivindicado como tal” e apresentar “caráter técnico”?
No primeiro caso, significa que está apenas a reivindicar-se características
não técnicas, estando assim a matéria em causa excluída de patenteabilidade. No
que diz respeito ao segundo caso, significa que apresenta um contributo técnico
ou envolve considerações técnicas numa área tecnológica, requisito essencial
para não ser excluído. A existência de características técnicas e não técnicas,
é possível numa invenção. Contudo, para efeitos de patenteabilidade, apenas as
primeiras serão consideradas.
O conjunto de reivindicações de uma patente ou pedido de patente é a parte
mais importante, pois são estas que definem o âmbito de proteção. Em geral, os
tipos de reivindicações relacionadas com as IIC, inserem-se em métodos, sistemas
(ou sistemas computacionais), métodos implementados por computador e programas
de computador. O primeiro raciocínio será escolher o tipo de reivindicação
indicado para a invenção, ou seja:
- Quer-se proteção para um método ou processo (atividade). Redige-se, então, uma reivindicação independente em termos que, genericamente, significam algo como “Método para (…) que engloba os seguintes passos (…)” ou “Processo para (…) que engloba os seguintes passos (…)”.
- Quer-se ou precisa-se implementar o referido método ou processo em contexto computacional ou informático ou, ainda, o método ou processo já é, ele próprio, de natureza informática. Quer-se proteger essa implementação. Redige-se, então, uma reivindicação independente em termos que, genericamente, significam algo como “Método para operar um computador (…) que engloba os seguintes passos (…)” ou “Processo para operar um computador (…) que engloba os seguintes passos (…)”. Pretende-se, com uma formulação desta natureza, proteger o método ou processo para operar um computador, cujo objetivo é a implementação informática desse mesmo método ou processo.
E, assim sucessivamente, para as restantes opções acima identificadas. De
resto, as formulações de reivindicação acima referidas não são obrigatórias nem
excluem outras.
Assim, e em jeito de conclusão desta primeira temática, podemos afirmar que
para se obter uma patente para uma IIC há que redigir as reivindicações em
termos das características técnicas da invenção, com intuito de evitar a
exclusão e ainda contrastar as características técnicas da invenção com o estado
da técnica, evidenciando a novidade e atividade inventiva, que se entenda
existir.
Importa ainda referir que todos estes procedimentos e regras, são aplicados
no contexto da jurisdição portuguesa.
A disputa “Apple vs Samsung”
Este caso apresenta um excelente exemplo do quão importante é a gestão do
portefólio de patentes de empresas que operam nos setores das novas tecnologias.
Além das patentes envolvidas, são ainda base legal das queixas, desenhos ou
modelos e marcas. Interessante também, é o facto da Samsung ser fornecedora de
componentes da Apple, nomeadamente memórias, discos rígidos e processadores.
Esta disputa começou a 18 de abril de 2011, com a queixa da Apple contra a
Samsung da qual fazem parte sete patentes, na sua maioria invenções
implementadas por computador. Por seu lado a Samsung, em 28 de abril do mesmo
ano, apresentou queixa contra a Apple, queixa essa alicerçada em 10 patentes
relacionadas com transmissão de dados e comunicação “wireless”. De referir que
as peças processuais de ambas as queixas estão disponíveis online.
Para se perceber de que modo estes litígios surgem, é necessário compreender
a forma de atuação dos principais players e o modo como operam entre
eles. Assim, as principais empresas nas áreas dos smartphones e
tablets, desenvolvem entre elas standards técnicos que são
licenciados numa lógica “justa e razoável”, sendo que esta “lógica” é a
principal fonte dos casos que ocorrem nos tribunais, bastando para isso que
alguma das empresas utilize, por exemplo, uma determinada tecnologia de outra
empresa e se recuse a pagar para o efeito. É fácil entender, que num mercado
como este, em que as vendas e a tecnologia associada aumentam de ano para ano,
se constate um grande número de litígios, que mesmo com custos judiciais
elevados, se tornam aliciantes, como forma de, em caso de sucesso, obter
vantagem competitiva sobre os principais concorrentes.
Neste caso concreto, Apple e Samsung seguem estratégias algo diferentes.
Enquanto a primeira se centra principalmente na identidade da sua marca, com
alegações ao nível do design e estética dos seus produtos, a segunda opta
quase exclusivamente pelas patentes. De facto, percebe-se que a Apple utilize
vários direitos de propriedade industrial de forma a preservar o seu bom nome e
a reputação da empresa, garantir a fidelização da clientela entre outros. Em
relação à Samsung, opta-se por investimento significativo em I &D e formação
de um portefólio de patentes que está neste momento perto das 30.000, sendo que
cerca de 6000 patentes são relacionadas com telecomunicações.
Considerações Finais
Em qualquer caso, verifica-se a importância dos direitos de propriedade
industrial. Concretamente, no caso das patentes, estas funcionam com trunfos
ofensivos e defensivos para as empresas, impedindo cópias de produtos e
defendo-as de possíveis queixas. É então de extrema importância, não só a gestão
dos portefólios mas também a necessidade de uma vigilância tecnológica de forma
a controlar toda a concorrência nas áreas específicas das mesmas, ou
dinamizando-se, por outra via, a gestão dos direitos de propriedade industrial
existentes, recorrendo ao licenciamento, contratos de transferência de
tecnologia, etc.
FONTE: pplware.sapo.pt;
http://pplware.sapo.pt/informacao/invenes-implementadas-por-computador/
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